Dados recentes do Serasa confirmam que mais de 60 milhões de Brasileiros enfrentam dificuldades financeiras, ocasionando o endividamento contínuo para a manutenção de suas relações de consumo. As pessoas com dívidas contínuas encontram-se na categoria de superendividados.
MÍNIMO EXISTENCIAL
O superendividamento abala o conceito básico da Constituição Federal, conhecido como Mínimo Existencial.
O mínimo existencial tem como finalidade garantir os direitos fundamentais que são indispensáveis à dignidade da vida humana.
QUEM PODE USUFRUIR DA NOVA LEI?
Quando um cidadão não consegue proporcionar para si e sua família os elementos mínimos de qualidade de vida elencados como mínimo existencial, contraindo dívidas para sua sobrevivência, este cidadão poderá usufruir da Lei do Superendividamento, sancionada em julho de 2021 pelo Governo Federal e incorporada ao Código de Defesa do Consumidor. A nova lei tem o objetivo de auxiliar o cidadão na negociação e pagamento de suas dívidas.
PROCEDIMENTOS PARA UTILIZAÇÃO DA LEI
Inicialmente, a lei promulgada define maior transparência nas relações de consumo em relação à oferta/publicidade dos produtos ao consumidor, exigindo-se informação:
- Simplificada e objetiva
- Do custo total da dívida e da taxa mensal de juros
- Da taxa dos juros de mora e do total de encargos e do montante das prestações.
A oferta de produto clara e transparente auxilia o consumidor em sua educação financeira, trazendo maior percepção de seus gastos nas relações com a instituição financeira, lojas de varejo que concedem crédito, entre outras.
O cidadão que detectar que o valor dos serviços consumidos, somados às suas despesas essenciais, superam seu salário, poderá reunir todos os seus credores, em ação judicial, para apresentar um plano de pagamento aos seus credores, demonstrando todos os seus empréstimos e dívidas – vencidas ou não, de até cinco anos – e apresentando um plano de pagamento.
Interposta a ação, os credores ficam proibidos de realizar novas cobranças, débito em conta ou bloqueio de cartões de qualquer quantia contestada pelo consumidor em compras realizadas, ou ação já ajuizada para cobrança dos valores, enquanto a ação de superendividamento não for solucionada em juízo ou fora dele, via termo de confissão de dívida entre as partes.
O ponto facilitador da lei está no fato de que, antes da análise contratual, as partes se reunirão para tentativa de conciliação, em audiência e com a presença obrigatória do devedor (pessoa física superendividada) e seus credores.
Nesta oportunidade, os credores informaram suas condições de recebimento de crédito com planilhas demonstrativas, facilitando o entendimento do devedor e do ente julgador.
Havendo concordância com os termos, o termo de acordo é homologado e o devedor deve cumprir com os valores e prazos de pagamento estipulados.
Entretanto, caso a proposta ofertada não seja atrativa aos credores, o juízo poderá instaurar processo para revisão dos contratos celebrados e repactuação das dívidas restantes por meio de um plano judicial mandatório.
Para elaboração do plano judicial mandatório, o juiz analisará:
- A capacidade econômica, via declaração de imposto de renda, e a renda mensal do devedor
- Despesas essenciais
- Dívidas existentes junto a credores
Após a análise desses fatores, o juiz informará de que forma o devedor pagará os credores.
O descumprimento injustificado do plano pelo devedor possibilitará aos credores o direito de cobrança desses valores de forma individual.
A lei também traz uma significativa mudança ao artigo 96 do Estatuto do idoso. Até o momento, era considerado crime – com pena de reclusão de até um ano – a discriminação/impedimento do idoso às operações de crédito. No entanto, a partir da promulgação da lei, caso a negativa de crédito tenha como justificativa o superendividamento do idoso, a instituição poderá negá-lo sem qualquer penalidade.
PONTOS DE CONFLITO DA LEI
Embora a nova Lei de superendividamento seja de suma importância, pois auxilia a população a adimplir seu crédito, limpando o nome negativado em procedimento similar ao sistema de recuperação judicial ofertado para empresas, ela é omissa em relação às leis vigentes e a corrente jurisprudencial.
A legislação e jurisprudência vigente consolida o entendimento de que não há distinção entre o patrimônio da microempresa individual e seu sócio, bem como que as dívidas adquiridas para proveito familiar são de responsabilidade do casal.
MEI
A microempresa individual é aquela com faturamento de até 60 (sessenta mil reais) ao ano, com regime tributário simplificado e registrada apenas em nome de 1 (uma) pessoa física.
Como a Lei do superendividamento não fala sobre sua aplicação para pessoas físicas que possuam microempresas individuais, de acordo com a jurisprudência vigente atualmente, caso o devedor pessoa física possua microempresa individual (MEI), ele deve informar a capacidade econômica de sua microempresa, para que os lucros desta também sejam computados para celebração de acordo ou plano judicial mandatório.
REGIME DE COMUNHÃO DE BENS: INCLUSÃO DO CÔNJUGE NO PROCESSO DE RENEGOCIAÇÃO
Já em relação à pessoa física casada no regime de comunhão total de bens ou comunhão parcial, se comprovado que as dívidas contraídas tiveram como origem a manutenção familiar, pode haver a inclusão do cônjuge no processo de renegociação a fim de que este auxilie o possuidor das dívidas em seu pagamento, conforme dispõe o artigo 1.664 do Código Civil e 790 IV do Código de Processo Civil.
Conclui-se, assim, que o cônjuge pode ser responsabilizado pelo pagamento quando comprovado que as dívidas tiveram como objeto a manutenção da entidade familiar e que a microempresa individual integrará o patrimônio do devedor no ato de elaboração de plano de pagamento (acordo) ou plano judicial mandatório.